Desdobramentos de junho de 2013

Para a terceira postagem da série sobre as jornadas de junho de 2013, convidamos o doutor em Ciência Política e pesquisador do CPC, Jayme Lopes.

Uma das principais razões das revoltas de junho 2013, como se sabe, foi o aumento da tarifa de ônibus em diversas cidades brasileiras. Mas seu slogan “não são só 20 centavos” e todas as reivindicações que vieram com ele naqueles dias de junho, expuseram grandes desafios reflexivos para ciências sociais na tentativa de entender os desdobramentos daquele movimento. A ideia neste artigo é explorar algumas direções que podem ser tomadas nesta análise passados 8 anos dos acontecimentos.  

Inicialmente podemos dizer que a primeira reivindicação da maior mobilização no Brasil desde 1992, a revogação do aumento das tarifas do transporte, obteve êxito naquele momento. Mas uma vitória revertida paulatinamente, a partir da deterioração da política e economia país, o que se expressou por exemplo, no aumento acumulando de 46% entre 2013 e 2021 no valor da tarifa do transporte coletivo só na cidade de São Paulo[1].

Mesmo assim, é inegável que junto a conquista momentânea relativa as tarifas de transporte, o movimento se expandiu apresentando uma diversidade de novas bandeiras. Com pautas difusas, por vezes contraditórias e sem organização centralizada, as demandas nas ruas impuseram uma nova perspectiva de agenda ao poder público, principalmente nas áreas de educação, saúde, mobilidade urbana e até a possibilidade de uma reforma política.

 

Créditos da imagem: https://midiainformal.files.wordpress.com/

 

Até hoje algumas questões sobre os eventos continuam sendo colocadas em discussão, como as que foram apontadas pela socióloga Ângela Alonso em entrevista à BBC Brasil[2] em 2018. Segundo Alonso, um primeiro ponto que surge com bastante frequência é o que busca pelas possíveis causas do movimento e a tentativa de explicar o que teria produzido concretamente os movimentos de junho, como crises de representação, ascensão de novos grupos sociais, uma nova classe média emergente, ou seja, explicações que lidaram com a raiz de junho.

Outra questão é a procura pelo entendimento da participação de atores como o Movimento Passe Livre (MPL), Movimento Brasil Livre (MBL) e outros grupos de vários espectros políticos no desenvolvimento e nas repercussões das manifestações.

E por último, há também o enfoque que procura entender os desdobramentos do movimento, talvez a busca reflexiva mais importante hoje. A este respeito, podemos dizer que sem dúvida uma das principais questões que norteiam estas análises está na ocupação ou a disputa pela cidade, ao direito à cidade e depois a centralidade da circulação.

Circulação esta, que claramente esteve ligada ao transborde de uma pauta relacionada as transformações estruturais no mundo do trabalho, onde a mobilidade e a circulação de mercadorias, mais do que a produção, se tornariam os nortes na dinâmica do capital. Neste aspecto, as manifestações de junho de 2013 no Brasil não podem ser compreendidas como um evento isolado, estando inseridas em um contexto global de transformações do capitalismo, sobretudo em sua periferia.

Poucos anos antes, outros movimentos expressaram estas angústias, como os motins por toda a Grécia em 2008, a revolução na Tunísia em 2010-2011 e no Egito em 2011 agrupadas no que se convencionou chamar “primavera árabe”, a partir do movimento 15M dos indignados na Espanha em 2011, além do “Occupy Wall Street” nos Estados Unidos, também em 2011.

Assim, ao tomarmos como referência Michael Hardt e Antonio Negri em uma das obras mais influentes e controvertidas do século XXI, “Império” (2001), as manifestações de 2013 no Brasil podem ser incluídas em no contexto da ascensão do poder das massas, desejantes em se opor a nova forma de soberania global. Com uma multidão organizando-se em torno dos eventos do momento, em que uma linguagem ou um interesse comum se expressa. Uma linguagem que nasce da indignação e do protesto, do cansaço de sempre se encontrar em situações que não têm saída.

Neste sentido, sobretudo pelo ineditismo e amplitude destas demandas, chegamos ao fato de que as crises desencadeadas ali, com maior intensidade a política, não acabaram. Ainda temos repercussões de médio e longo prazo do que aconteceu. Vivemos hoje a ascensão de movimentos populistas e de extrema direita que avançam justamente a partir da frustração destas pautas populares.

Portanto, mesmo que estejamos costumados a usar a ideia de crise para falar de fenômenos intensos que acontecem em um tempo curto, é possível dizer que talvez tenhamos uma grande crise ou uma sequência de crises. Neste caso, se apropriando de uma “Sociologia das Crises Políticas” (2015) de Michel Dobly, podemos saber como as crises começam, até conseguimos analisar seus acontecimentos, mas sua incerteza estrutural não nos permite saber como – e quando – terminam.

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