O jogo político partidário pós jornadas de junho de 2013 [1]

Daremos início a uma série de postagens sobre os desdobramentos das Jornadas de Junho de 2013 para a política brasileira atual. Para abrir a discussão, convidamos Vitor Vasquez, doutor em Ciência Política e pesquisador do CPC. 

Em junho de 2013, o Brasil assistiu a manifestações que fizeram reinvindicações da mais distintas. Se o primeiro grande ato em São Paulo fora um protesto contra o aumento da passagem de ônibus, na sequência vieram atos contra a Copa do Mundo que o Brasil sediaria em 2014 e hostilidades contra a política partidária mais tradicional, incluindo a própria presidenta Dilma Rousseff (PT). Com o avançar das manifestações as pautas foram se tornando cada vez mais heterogêneas, assim como os grupos que buscavam a coordenação dos protestos. Em termos de demandas, exigia-se desde escola e hospital padrão FIFA até a volta dos militares ao poder. Quanto à representação, havia militantes de diferentes partidos, movimentos completamente antagônicos, como o Movimento Passe Livre (MPL) e o Movimento Brasil Livre (MBL).

Se por um lado o alcance das jornadas deixava claro o clamor por mudanças, por outro, o caráter heterogêneo de sua composição e de suas bandeiras tornava difícil a compreensão de quem sairia exitoso ao seu fim.  Contudo, uma coisa já era possível afirmar: as lideranças políticas institucionais do período não passariam ilesas às manifestações. Tanto que, após as jornadas, Dilma se reuniu com prefeitos e governadores a fim de selar um pacto em torno de cinco temas: (1) responsabilidade fiscal; (2) reforma política; (3) saúde; (4) transporte público e; (5) educação pública. O quanto esse pacto satisfaria às distintas demandas apresentadas o futuro diria. O ponto é que quem ocupava o poder percebeu que aquelas manifestações indicavam uma insatisfação generalizada com o status quo. Consequentemente, sinalizavam riscos para a manutenção do sucesso político que os principais partidos do Brasil possuíam até então.

Se entendermos a dinâmica político partidária como um jogo de ocupação de espaço, podemos pensar que as jornadas de junho demonstravam que os principais partidos políticos estavam perdendo apoio, o que certamente refletiria em termos de desempenho eleitoral. Isto é, esta elite estava abrindo espaços que poderiam ser ocupados por outras forças. Nesse sentido, uma forma de compreender o que aconteceu com o cenário político após este ciclo de protestos é investigar os resultados das eleições que ocorreram na sequência[2]. Para tanto, a informação mais imediata diz respeito ao número de partidos com acesso à Câmara dos Deputados, pois uma variação positiva neste fator após 2013 aponta para o fortalecimento de outros atores políticos institucionais.

                 

 

Por esses resultados, é fácil perceber como em 2014 havia espaços abertos que foram preenchidos por partidos até então menos relevante ou inexistente no cenário político. O arranjo, no entanto, não se estabilizou em 2018, sendo que novamente houve aumento no total de partidos representado na Câmara, estabelecendo mais um recorde de fragmentação. Mas o que isso significa em termos de força partidária? Afinal, quem saiu vencedor e quem perdeu espaço após junho de 2013?

A perda de espaço de alguns partidos e a consequente ocupação por parte de outros é mais bem compreendida considerando alguns casos separadamente. Assim, na figura que segue analiso o desempenho eleitoral em termos de cadeiras para a Câmara dos Deputados de nove partidos. Na parte de cima, estão os principais partidos do sistema político até então: PT, MDB e PSDB. No meio, estão partidos intermediários, mas que sempre possuíram algum destaque: Progressistas, DEM e PL. Para a parte inferior, selecionei partidos com bom desempenho nos últimos pleitos: Republicanos, PSD e PSL.

Como pode ser observado, PT, MDB e PSDB perderam assentos gradativamente ao longo das eleições após as jornadas de 2013. Mesmo o PT se mantendo como a maior bancada da Câmara em 2014 e 2018, o partido perdeu 6% de suas cadeiras durante o período. A perda de espaço de MDB e PSDB é ainda mais acentuada, principalmente considerando o pleito de 2018. Não custa lembrar que a disputa presidencial deste ano foi a primeira desde 1995 não protagonizada por PT e PSDB, graças ao péssimo desempenho tucano no primeiro turno.

Quanto aos partidos intermediários, apesar de também sofrerem derrotas em 2014, houve estabilização para Progressistas e PL em 2018, e uma retomada por parte do DEM no mesmo ano. Ou seja, estes partidos sentiram menos a repulsa observada nas ruas em junho de 2013 em relação às forças políticas tradicionais e mantiveram seus espaços em 2018. Como resultado, passaram a ter força equivalente a MDB e PSDB na Câmara, o que representa um ganho importante em termos de poder de barganha no Legislativo.

Em relação às novas forças, destaco, incialmente, o crescimento do Republicanos, que ampliou sua bancada em 2014 e 2018, ano em que conquistou uma quantidade de assentos comparável à PSDB e DEM. Outro partido que chama atenção recentemente é o PSD, que disputou sua primeira eleição federal em 2014, debutando com consideráveis 7% de cadeiras. O partido manteve o bom desempenho eleitoral em 2018 e segue como uma das principais forças políticas da atualidade. Finalmente, saliento o PSL. O partido que até 2014 era nanico, em 2018 elegeu a segunda maior bancada da Câmara, ficando atrás apenas do PT. Isto graças ao efeito Bolsonaro, uma vez que esta foi a legenda escolhida pelo então candidato para disputar (e vencer) o pleito de 2018. O quanto o PSL conseguirá se manter nesse patamar dependerá de como administrará os bônus conquistados até aqui. Esta não é tarefa fácil, principalmente considerando que Bolsonaro não faz mais parte do seu quadro.

O atual cenário político traz diferenças em relação ao observado em junho de 2013, quando uma série de manifestações tomou conta das ruas no Brasil. Naquele momento já era possível identificar que muitas insatisfações recaiam sobre as forças políticas mais tradicionais, principalmente o PT, que ocupava a presidência com Dilma Rousseff. No entanto, analisando hoje, com mais distanciamento, não podemos desconsiderar que, além do PT, sofreram também MDB e PSDB. Nesse sentido, se voltarmos à analogia da política enquanto um jogo de posições, não surpreende o fato de que os partidos que se destacaram após 2013 se posicionam justamente no centro e na direita do espectro político, notadamente ocupando as partes vazias deixadas por emedebistas e tucanos. Petistas, apesar de enfraquecidos, elegeram as maiores bancadas da Câmara dos Deputados de 2014 e 2018, além de vencerem o pleito presidencial em 2014 e irem ao segundo turno em 2018. O atual cenário ainda não parece estabilizado e partidos como o PSL podem sofrer no futuro com a falta de uma organização mais robusta. Todavia, os sinais deixados pelas jornadas de junho se confirmaram e um rearranjo das forças partidárias parece estar em jogo. O que não surpreende, pois é o que tende a acontecer sempre que ocorre um ciclo de protesto no país.

 

[1] Algumas reflexões e análises aqui apresentadas já foram por mim apresentadas em “O conflito como estratégia política: grandes mobilizações e realinhamento partidário”. CONEXÃO POLÍTICA, v. 6, p. 41-64, 2018.

[2] Todos os resultados eleitorais apresentados foram extraídos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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