A política na crise energética

Por Jayme Lopes

 

No dia 11 de maio deste ano, o Presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) faz uma declaração deixando claro que um grave problema se avizinha: "nós estamos com um problema sério pela frente, estamos vivendo a maior crise hidrológica da história, de eletricidade” e ainda completa, “a chuva geralmente (cai) até março, agora já está na fase que não tem chuva”.[1] De fato, hoje temos no horizonte uma crise hídrica com impacto considerável sobre a geração de eletricidade. Tão grave como aquela que aconteceu em 2014 e com potencial de produzir uma crise energética como se viu em 2001[2].

É por isso que desde outubro de 2020 o Ministério das Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estão acompanhando o agravamento da situação em cidades do Paraná e do Rio Grande do Sul, que vem passando por estiagens prolongadas e no estado de São Paulo, que sofre com um nível de chuvas bem menor que o esperado. Para se ter uma ideia, os reservatórios do subsistema Sudeste / Centro-Oeste, os mais importantes do Sistema Nacional Integrado, no final de junho deste ano marcaram apenas 29,13% da capacidade de produção de energia[3].

Por outro lado, por mais que a situação seja delicada, é importante destacar que diferente que em 2001 o país tem menos dependência da produção de energia por hidroelétricas, como é possível na comparação abaixo:

 

Fonte: ONS e EPE

 

No entanto uma menor dependência de hidroelétricas com o aumento de participação de outras fontes renováveis, não significou o declínio da produção da energia por termoelétricas em sua maioria, com um custo muito mais alto da eletricidade gerada e com alta emissão de CO2. Ao contrário, usinas a óleo combustível e gás natural representaram no primeiro mês de deste ano 18% da produção de eletricidade do país. O que nos leva a outro problema.

Segundo o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp, há uma estreita relação entre mudanças climáticas – que tem relação com grande emissão de CO2 na atmosfera - e o aumento de eventos extremos[4] como crises hidrográficas intensas.

Neste sentido ao que parece, as mudanças climáticas, condição tão ignorada e até mesmo negada pela atual gestão federal, batem à porta, apontando tanto para problemas históricos do sistema nacional como a dependência da energia gerada por hidrelétricas, quanto para uma solução energética questionável que envolve o aumento da produção por termoelétricas com consequente maior emissão de CO2.

Mas para além dos equívocos persistentes da política energética brasileira, o que torna ainda mais complexa esta situação, é o cálculo político que se faz a partir dela. Tanto é assim que o presidente Bolsonaro tem feito a avaliação do seu desgaste perante esta nova crise, o que incluiu retardar criação de um comitê interministerial para gerir o nível dos reservatórios das hidrelétricas e um possível racionamento, criado apenas no último dia 28/06. Ao mesmo tempo, que tenta acelerar a privatização da Eletrobrás entendida como uma das boias de salvação desta crise.

Esta é uma das situações de porquê em alguns trabalhos recentes, apontei para o peso da dimensão política nos caminhos históricos tomados pelo setor de energia elétrica no Brasil. Sobretudo, a partir do papel estratégico dos agentes e grupos políticos no planejamento, na negociação e na implementação das infraestruturas de energia elétrica no país.

A esse respeito em 2001, penúltimo ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), gestão que pôs em pratica um amplo programa de reformas liberalizantes e privatizações no setor elétrico, o país sofreu uma série de apagões e teve de passar por um forte racionamento. O que fez a gestão do Partido da Social Democracia Brasileira colocasse em pratica o Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) que previa a construção e entrada em operação emergencial de 49 termoelétricas a gás natural e óleo combustível até 2002.

Uma tentativa de resolver a crise elétrica que não surtiu efeito a curto prazo. Crise que provocou protestos populares e de sindicatos de trabalhadores, em Brasília, 30 mil pessoas protestaram na frente do Congresso Nacional, na maior manifestação contra o governo Fernando Henrique Cardoso desde 1999. Levando a um sensível abalo no já combalido capital político de Cardoso para indicação de seu sucessor na eleição daquele ano, que seria vencida por Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT).

Também, no fim do primeiro governo Dilma Rousseff (PT) em 2013, gestão que havia feito uma nova reforma no setor elétrico conscentrando novamente no Estado boa parte da estrutura do setor, o Brasil enfretou o risco de novos apagões e de racionamento de energia, sendo a presidenta acusada por varios grupos de midia de esconder a situação.

Relatórios de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e análises técnicas oficiais revelaram as fragilidades energéticas do País. De 2011 a 2014, o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) registrou mais de 180 lapsos de fornecimento em grande escala. Os problemas no abastecimento de energia expuseram o governo Rousseff a um certo desgaste em um período eleitoral crucial, o que ajudou a consolidar uma condição pouco confortavel na reeleição da presidenta, que venceu por uma diferença de três pontos porcentuais o candidato Aecio Neves (PSDB).

No atual governo Jair Messias Bolsonaro (sem partido), seguimos por um caminho que tem um pouco dos dois casos. Desde o ano passado, já houveram restrições impostas pelo governo aos reservatórios de Furnas, região onde fica parte da base política de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado. Outros líderes estaduais manifestaram preocupação com o nível de ingerência que o comitê interministerial de gestão dos reservatórios pode vir a ter para decidir, por exemplo, sobre a captação de água no semiárido do Nordeste ou a irrigação. O que atingiria outros senadores e deputados da base aliada no congresso.

A complexidade desta política da eletricidade[5] impõem que o cálculo que vem sendo feito pelo governo inclua, caso haja a perda da base do governo, a possibilidade de o congresso barrar a MP que possibilita a privatização da Eletrobras. A venda da empresa representa, além de um pouco factível benefício para o sistema elétrico nacional, um aceno a uma faixa do eleitorado do presidente, dentro da coerência de uma agenda política liberalizante proposta pelo presidente Bolsonaro em sua campanha eleitoral em 2018. 

Assim, um novo revés do ministro Paulo Guedes (Economia) com a venda da empresa estatal de energia, poderia influenciar no apoio do empresariado e do mercado financeiro a Jair Bolsonaro em 2022, quando deverá tentar a reeleição.

É bom que se diga, que está conjuntura de crise energética atinge em cheio também outras várias áreas da economia nacional que já sofrem com as condições que a pandemia impõe. Sem falar na queda da popularidade do presidente em várias faixas do seu eleitorado que já vem padecendo com uma certa depreciação à medida que a incapacidade do governo de lidar com um sistema democrático, de gerir uma pandemia e manejar a economia de forma satisfatória ficam mais evidentes.

Ao final, em uma repetição digna de “Feitiço do Tempo” (1993), filme em que o personagem de Bill Murray acorda sempre no mesmo dia 2 de fevereiro, dia da marmota, entre a urgência de uma crise energética e o cálculo político eleitoral, pode, novamente, faltar energia.

 


[2] Que levou a apagões e racionamento de eletricidade.

[3] Marca alcançada dia 30 de junho de 2021. Fonte: Operador Nacional do Sistema (ONS)

[5] LOPES, Jayme K. R. A política da eletricidade: modernização estatal brasileira e o setor de energia elétrica do Espírito Santo. TESE (Doutorado em Ciências Sociais) – Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2021.

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