Textos 2020
A análise comparada da política - Marcelo Vieira
Iniciamos uma série semanal de publicações a respeito de temas relevantes para todos os interessados em entender a política em perspectiva comparada. Por isso, a primeira publicação não poderia ser diferente: o que é a política comparada? Por que e o que comparar na análise da política? O que devem ler os interessados em dar os primeiros passos no campo? Esses são os pontos que serão tratados brevemente pelo coordenador do Centro de Política Comparada - CPC, Prof. Marcelo Vieira.
Antes de uma definição da política comparada, é preciso esclarecer o que se entende atualmente por política. A política é o processo que envolve toda a atividade humana de tomada de decisões de caráter público e oficial no interior de um sistema político, isto é, nas fronteiras territoriais e de cidadania onde interagem atores e instituições (usualmente, Estados nacionais e subnacionais ou mesmo organizações supranacionais). Decisões de caráter público são aquelas que afetam toda a coletividade de indivíduos que pertencem ao sistema político. Já o caráter oficial de uma decisão política é referente à necessidade de sua obediência, implicando em sanções até mesmo físicas por parte do representante autorizado do sistema político (usualmente, governos) para aqueles que a desrespeitarem.
Dessa forma, a política comparada é a análise descritiva, correlacional ou causal das semelhanças e diferenças entre unidades de análise (casos) onde variáveis políticas incidem, transversalmente (entre casos) ou longitudinalmente (em um mesmo caso, mas ao longo do tempo). Mesmo quando se analisa uma ou mais variáveis políticas em um único caso num ponto fixo do tempo, é preciso ter em mente um quadro de referências comparativas (amostra ou população de casos) para que qualquer juízo analítico possa ser feito. É por essa razão que, nos anos 1950, o rótulo “comparada” foi criado como um cavalo de batalha para acompanhar a expressão “política”. A exigência era que toda análise empírica da política tivesse na comparação uma dimensão metodológica explícita da pesquisa.
Portanto, o que se almeja com a análise comparada é algum grau de generalização das conclusões obtidas, seja em nível micro, meso ou macro da política. Mas que variáveis políticas, incidindo em que casos, são passíveis de comparação? Desde “casos” de atores políticos (eleitores, cidadãos comuns, lideranças partidárias, presidentes, legisladores, juízes, burocratas) manifestando suas preferências ou atitudes frente a decisões políticas enquanto “variáveis” (voto, manifestação de rua, iniciativa legislativa, implementação de políticas públicas), passando por “casos” de instituições políticas (partidos, parlamentos, movimentos sociais, executivos, judiciários, burocracias) e suas características “variáveis” (plataforma política, fragmentação partidária, grau de mobilização, tipo de gabinete, nível de insulamento).
Para quem tiver interesse em fazer suas primeiras leituras sobre a política comparada, são altamente recomendáveis os seguintes trabalhos:
CARAMANI, Daniele. “Introduction to Comparative Politics”, in Comparative Politics. Oxford, Oxford University Press, 2011. (pp. 2-15).
COLLIER, David. “The Comparative Method”, in Finifter, Ada (ed), Political Science: The State of the Discipline II. Washington, D.C.: American Political Science Association, 1993 (pp. 105-108).
LIJPHART, Arend. “Comparative Politics and the Comparative Method”. American Political Science Review, Vol. 65, No. 3, 1971 (pp. 682-693).
PEREZ-LIÑAN, Anibal. “Cuatro Razones para Comparar”. Boletin de Politica Comparada, n. 1, 2008 (pp.4-8).
SARTORI, Giovanni. A Política. Ed. UnB, Brasília, 1979. (pp.203-246).
Uma boa leitura a todos!
________________________________________________________________________________________________________________________
Sistemas de Governo
A publicação de hoje trata de um dos temas mais centrais do debate contemporâneo em política comparada: os sistemas de governo. Quem auxiliará o leitor no entendimento desse tema é a pesquisadora do Centro de Política Comparada - CPC e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFES, Raysa Dantas Loureiro.
Você sabe o que significa sistema de governo? Qual o sistema de governo adotado pelo Brasil?
Sistema de governo, em uma breve definição, caracteriza-se por um conjunto de regras que determinam as relações entre o poder executivo e o poder legislativo. São eles: presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo.
Presidencialismo
O Brasil adota um sistema de governo presidencialista. O presidencialismo pode ser definido como sistema de governo cujo chefe de estado e governo se concentram na figura do presidente, o qual possui um mandato fixo e independente de confiança parlamentar. Ou seja, nós votamos para um presidente que possui mandato fixo, podendo ser reeleito - de acordo com a nossa constituição. O presidente só será destituído do cargo através de processo de impeachment, ele não pode ser removido de suas funções por não estar alinhado à maioria legislativa, por exemplo. Além do Brasil, Estados Unidos, Argentina, Uruguai são exemplos de países presidencialistas.
Parlamentarismo
No parlamentarismo, o Executivo e Legislativo caminham juntos, e o Parlamento é a instituição soberana. O parlamentarismo pode ser definido como um sistema de governo em que o primeiro-ministro e seu gabinete são responsivos perante uma maioria parlamentar, podendo ser retirados dos cargos por esta mesma maioria através do voto de desconfiança. Em sistemas parlamentaristas, a população elege os legisladores e estes, dentro do Parlamento, selecionarão o primeiro-ministro e os demais ministros de gabinete, podendo, da mesma forma, destituí-los do cargo. Exemplos de países que adotam o parlamentarismo: Inglaterra, Japão, Jamaica, e Austrália.
Semipresidencialismo
O semipresidencialismo é um sistema de governo caracterizado por possuir tanto aspectos presidencialistas quanto presidencialistas. Nele, o poder executivo é composto por um presidente popularmente eleito e com mandato fixo, bem como por um primeiro-ministro e ministros de gabinete oriundos do Parlamento, ao qual são responsivos. Existem eleições presidenciais independentes de eleições legislativas. O presidente deve exercer uma função de Chefe de Estado (cerimonial, em alguns casos, e central, em outros), enquanto o primeiro-ministro é o Chefe de Governo. São exemplos de países semipresidencialistas: França, Irlanda, Peru, Taiwan.
Na política comparada é possível encontrar uma série de estudos que investigam as semelhanças e diferenças entre os sistemas governamentais e os efeitos que podem gerar sobre o funcionamento de um sistema político. Para quem busca mais informações sobre os sistemas de governo (suas características, forças e fragilidades), são recomendáveis as leituras elencadas abaixo:
ELGIE, Robert. The Politics of SemiPresidentialism. Semi-presidentialism in Europe (Comparative Politics). 1. ed. New York: Oxford University Press, 1999. p. 320. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Robert_Elgie2/publication/265101267.... Acesso em: 16 maio 2017.
MÜLLER, WOLFGANG C. BERGMAN, Torbjörn; STRØM, Kaare. Parliamentary Democracy. Delegation and Accountability in Parliamentary Democracies. New York: Oxford University Press, 2006.
SHUGART, Matthew Soberg; CAREY, John M. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral Dynamics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
________________________________________________________________________________________________________________________
Tribunais Constitucionais
Dando seguimento às nossas publicações , hoje falaremos sobre uma das mais importantes instituições de qualquer sistema político moderno: os tribunais constitucionais. Para tratar do que são os tribunais e como se deu seu surgimento, contaremos com a contribuição de Gabriel Vasconcellos, graduando em Ciências Sociais pelo Centro de Ciências Humanas e Naturais - CCHN - UFES e pesquisador do Centro de Política Comparada - CPC.
Os tribunais constitucionais têm a finalidade de zelar e salvaguardar a constituição em todos os seus aspectos. Seu surgimento remonta a República de Weimar (1919-1933), conhecida por ter sido um intervalo democrático mal sucedido entre o segundo e o terceiro Reich alemães. A escolha a respeito do desenho institucional a ser adotado em Weimar, mais especificamente no tocante a quem caberia a guarda da constituição, foi fortemente influenciado pelo debate travado entre os filósofos Carl Schmitt e Hans Kelsen, que assumiam pontos de vistas distintos sobre quem deveria exercer tal função.
A ideia de que um órgão colegiado do judiciário formado por juristas deveria exercer um controle jurisdicional constitucional sobre a legislação ordinária nem sempre prevaleceu. Schmitt acreditava que essa função deveria ser exercida pelo presidente, por ser ele dotado de legitimidade popular, isto é, por ser o representante do povo no executivo. Suas ideias influenciaram diretamente o jovem jurista Hugo Preuss, de quem foi professor, e que redigiu a Constituição de Weimar. Preuss não só entregou ao presidente a função de guardar a constituição, como o assegurou poderes emergenciais para situações de crise, poderes legislativos extraordinários e relativa autonomia frente aos outros poderes.
Entretanto, a engenharia constitucional de Weimar gerou consequências perversas, possibilitando, em certo sentido, a ascensão e permanência dos nazistas ao governo. Ainda que tenham assumido o poder democraticamente, por meio de eleições populares, os nazistas só usurparam o poder soberano por conta da discricionária capacidade de interpretação da constituição dada ao presidente, atrelada aos seus poderes emergenciais. Não foi por outra razão que Hitler chegou a afirmar, mais tarde, que dele emanava a constituição.
A consequente falência democrática da experiência de Weimar foi diretamente associada às ideias Schmitt. Além do argumento em defesa do protagonismo constitucional presidencial, o filósofo alemão também foi “amaldiçoado” por seu envolvimento direto com juristas nazistas. É nesse cenário que os holofotes do debate filosófico e jurídico se voltaram para seu principal crítico, Hans Kelsen.
A ideia de Kelsen era que deveria haver um controle de constitucionalidade das leis e atos dos agentes públicos. Esse controle, no entanto, seria realizado por uma corte superior e colegiada, como um órgão do judiciário que seria composto por operadores do direito. Este modelo de tribunal constitucional se tornou vencedor não apenas no contexto pós-Weimar alemão, mas se tornou a base do que temos atualmente no Brasil, por exemplo. Os problemas acarretados por esta escolha também foram muitos. No final da segunda guerra mundial, o direito alemão passou por diversas transformações e contextos de crise, sendo que alguns foram ocasionados pela própria teoria kelseniana. As ascensões do chamado positivismo normativista e da escola do direito livre alemão, ambos representantes de grandes atrasos para o Estado democrático de direito, são exemplares nesse sentido e, vale frisar, ainda se fazem presentes na cabeça do operador médio do direito brasileiro.
Para aprofundamentos sobre a influência que o debate entre Kelsen e Schmitt provocou sobre a construção do que conhecemos hoje como os tribunais constitucionais, vale a leitura dos seguintes textos:
STRIK, Peter. Hugo Preuss, german political thought and the Weimar constitution. History of political thought. Vol. XXIII. Autumn 2002.
SCHMITT, Carl. Hugo Preuss, his concept of state and his position in german state theory. History of political thought. Vol. XXXVII. N 02. Summer, 2017.
SHEN, Yu-Chung. Semi-presidentialism in the Weimar Republic: A Failed attempt of democracy. In.: ELGIE, Robert, MOESTRUP, Shopia and WU, Yu-Shan. Semi-preidentialism and democracy. Paulgrave Mcmillan, 2011.
SHEN, Yu-Chung. The anomaly of the Weimar Republic’s semi-presidential constitution. Journal of politics and law. Vol. 2, nº 3. Academia Sinica, Taiwan, september 2009.
________________________________________________________________________________________________________________________
Ondas de Democratização
Hoje falaremos sobre o conceito de “ondas de democratização”. O que é uma onda de democratização? Também existem ondas de desdemocratização? Em que circunstâncias elas podem ocorrer? Esses processos acompanham uma tendência mundial?
Para responder a essas perguntas, teremos a contribuição da pesquisadora do Centro de Política Comparada - CPC e graduanda em Ciências Sociais pelo Centro de Ciências Humanas e Naturais - CCHN - UFES, Maria Vitória Rodrigues.
De acordo com o controverso cientista político norte-americano Samuel Huntington, falecido em 2008, desde o século XIX os Estados passam por processos que transformam o modo de operar a sua política. Ser uma democracia é considerado uma regra para um bom convívio com os demais países. Isso significa que é preciso possuir um regime democrático para não sofrer sanções econômicas, por exemplo, ou ser aceito em blocos econômicos.
Para o autor, é possível identificar tendências mundiais em que, num determinado período, os países se tornam democráticos. O mesmo se aplica para o caminho reverso, quando um conjunto de países transitam de um sistema democrático para uma ditadura. Essa tendência é chamada de "onda".
A primeira onda de democratização foi longa e ocorreu no período de 1828 à 1926, compreendendo mais da metade do século XIX e o pós-1ª Guerra Mundial. Logo em seguida, houve onda reversa (desdemocratização) no período de 1922 à 1942, momento histórico do surgimento de regimes autoritários como o nazismo, sob a liderança de Hitler, na Alemanha, e o fascismo, na Itália, que teve em Mussolini seu principal expoente.
A segunda onda de democratização ocorreu de forma rápida, como uma onda curta, de 1943 à 1962, iniciada após a 2ª Guerra Mundial. Assim como ocorreu com a primeira onda, a desdemocratização também ocorreu em seguida, entre 1958 e 1975, abrangendo o período da Guerra Fria e parte do regime militar brasileiro.
Já a terceira onda de democratização, que ainda não possui ano de término, iniciou-se no ano de 1974, com a Revolução dos Cravos em Portugal. Em seguida, diversos países seguiram essa tendência e adotaram a democracia como regime de governo, sobretudo os países latino-americanos e africanos.
Seria possível arriscar, como querem alguns analistas, que estamos adentrando na 3ª onda reversa de democratização? Quais seriam as consequências das recentes guerras ocorridas nos anos 2000, no Oriente Médio, e a atual guerra na Síria? Como a democracia reagirá aos atuais governos e ascensão de candidaturas extremistas que têm surgido ao redor do mundo? Essas e outras questões são exemplos de perguntas que a teoria formulada por Huntington nos leva a refletir.
Aos interessados na teoria das ondas de democratização, o passo inicial deve ser a leitura dos seguintes textos:
HUNTINGTON, Samuel. A terceira onda: a democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1994.
HUNTINGTON, Samuel. “Democracy’s Third Wave”. Journal of Democracy, Vol.2. No.2, 1991.