Lei Áurea: Nada mudou, vamos mudar?
Hoje, 13 de maio de 2021 o CPC convidou o pesquisador João Victor Penha dos Santos* para escrever sobre a abolição da escravidão que completa 133 anos.
A abolição da escravidão, cunhada em 13 de maio de 1888, refletiu o ápice de muita movimentação de abolicionistas, diversos conflitos da relação senhorial e a disputa de alguns projetos de nação. Projetos esses ainda em vigor.. Engana-se quem acredita que abolir a escravidão negra significaria igualdade racial em oportunidades e direitos. O que observamos naquela data foi, como o movimento negro historicamente enfatiza, uma “falsa abolição”.
André Rebouças, por exemplo, importante abolicionista e engenheiro, defendia a distribuição de terras pelo Estado para extinguir a relação senhorial de dependência, e propunha a inclusão social desses ex-escravizados por meio da Educação. Rebouças se debruçou em convencer as lideranças políticas da época de que a abolição deveria ser o início de um projeto abolicionista, e não o fim. Seu projeto, entretanto, não obteve exito e foi ignorado.
Fazendo uma paralelo, e dando um grandioso salto temporal, em 1994, pastores de Ruanda se reuniram e relataram a sua congregação, uma solicitação de ajuda em forma de carta, nomeada “Desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos”, presente no livre de Philip Gourevitch, nas vésperas de um dos maiores genocídios da história. De certo modo, André Rebouças e outros, também comunicaram que medidas precisariam ser tomadas para que não se produzissem maiores exclusões sociais para esses africanos ex-escravizados. Como resposta, a República recém-instaurada decreta, em 1890, o Código Penal, que penalizava os costumes e tradições africanas, além de criminalizar a vadiagem.
O professor João José Reis afirma, no documentário “A última Abolição” (2018), que: “Os escravos estavam muito mais protegidos do que os jovens negros hoje”. Neste sentido, se compararmos a ausência de responsabilização dos extermínios das operações policiais, os linchamentos em praças públicas, o encarceramento em massa e os percentuais de desemprego, podemos chegar a algo próximo a essa conclusão.
Enfatizo: de Palmares à Jacarezinho, não há muita distância. Do Pelourinho ao Carrefour não se passou tanto tempo. Ainda estamos presos em 12 de maio de 1888.
Construir um 13 de maio que seja efetivo é tornar visível a disputa de projeto de país que queremos estruturar. Projetos simbolizado por André Rebouças, mas sem esquecermos da atuação de Luís Gama, ou até da verdadeira consolidaçãode sociedades baseadas em outras concepções não-escravagistas, como as comunidades indígenas e os quilombos, que surgiram junto ao primeiro africano sequestrado a pisar nesse solo colonial.
Afrofuturar um 14 de maio é reivindicar a consolidação de direitos, a redistribuição de cidadania aos subalternos e a responsabilização das heranças coloniais que estruturam as desigualdades sociais atuais. É aprender com os movimentos negros que, à revelia do Estado, educava a população negra e produzia arte como o Teatro Experimental do Negro (1944-1961), e searticulava internacionalmente para denunciar o racismo e para criar redes de proposição da luta antirracista. Em outras palavras, é o que nos lembra Beatriz Nascimento no filme “Ôrí” (1989), os movimentos negros lembram no gesto, na prática, que não são (e nem querem ser) mais cativos.
Para saber mais:
Filme Ôri (1989) – Raquel Gerber.
“A Última Abolição” (2018) - Alice Gomes
Coalizão Negra: Racismo e Genocídio sem fim: https://jornalistaslivres.org/coalizao-negra-racismo-e-genocidio-sem-fim/(link is external)
* João Victor Penha dos Santos é mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador do CPC.